Tréplica do paleontólogo Max Langer a meu texto sobre a crise ambiental
É, eu sei que isso aqui está parecendo mais uma sequência daquele clássico da fantasia chamado “A História Sem Fim”, mas o assunto é importante, pelo que peço a indulgência do leitor. Publico abaixo a tréplica do paleontólogo Max Langer, da USP de Ribeirão Preto, à minha coluna deste domingo, a qual, por sua vez, fez críticas duras a um texto dele no caderno Ilustríssima.
O Max tem uma visão controversa — alguns diriam blasé ou mesmo irresponsável — sobre a atual crise de perda de biodiversidade. Ele acha que não nos cabe bancar a polícia ambiental do planeta. Eu discordo.
Para entender o rolo:
A crítica dos meus pesquisadores: “Não fazer nada é o melhor que podemos fazer sobre o nosso futuro?“
Primeira tréplica do Max: Paleontólogo rebate críticas à sua visão sobre crise ambiental moderna
Sem mais delongas, vamos ao texto!
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Como não é demais enfatizar, o Reinaldo foi extremamente profissional ao auxiliar na publicação do meu texto na Ilustríssima, mesmo sabendo (e discordando) do seu conteúdo. Teve a postura aberta que, com base nos nossos anos de contato, eu esperava dele, possibilitando o debate. Cabe também ressaltar que, entre as pessoas que mais respeito científica e pessoalmente, estão algumas que discordam frontalmente do ponto de vista expresso no meu artigo, o que não me faz rejeitá-lo, ao contrário, me faz aperfeiçoá-lo por contrapô-lo com argumentos sinceros e qualificados. É exatamente isso que defendo, a possibilidade de diálogo, crendo nas melhores intenções dos interlocutores, na busca pelo conhecimento.
Dito isso, seguem meus comentários ao texto publicado hoje pelo Reinaldo:
Nos dois primeiros parágrafos do texto, o Reinaldo resume muito bem meu ponto de vista. Ou seja, ele não deturpa minha visão, o que é muito bom! Seria interessante ele detalhar os “problemas filosóficos que fariam Kant ter uma síncope” (mas como nem eu nem eles somos filósofos, creio que tem grande chance de a gente falar bobagens), quando ao raciocínio com “mais buracos factuais que um queijo suíço”, seguem minhas pontuações abaixo.
Sim, eu sei que “nunca uma espécie de vertebrado de grande porte chegou a ter bilhões de membros vivendo ao mesmo tempo … que domesticasse outros vertebrados … com populações igualmente na casa dos bilhões”. Mas, e daí? Até onde sabemos, nunca um mamífero foi tão grande quanto uma Baleia-Azul, um réptil (chamado Hyperodapedon) representava mais de 50% da biomassa de vertebrados terrestres na época da origem dos dinossauros, formigas pastoreiam pulgões. As espécies fazem coisas, em termos anatômicos e populacionais. Qual o problema disso? Até onde sabemos, havendo possibilidades, todas espécies irão aumentar sua população até onde puderem.
Sim, “nunca tinha existido uma espécie de animal capaz de alterar sozinha, de modo significativo e em escala de décadas, a química da atmosfera, dos oceanos e do solo”. Uma espécie animal não, mas microrganismos e plantas sim (vejam meu artigo original para detalhes). A gente pode colocar o limite onde quiser para facilitar a argumentação. Por que a ofensa é mais grave se você é um animal ou um vertebrado?
“se essas tendências continuarem, com o Homo sapiens bancando o fominha, vão sobrar recursos para um futuro florescimento da biodiversidade? Cê jura?” Juro! Como diria Dr. Ian Malcolm: “a vida encontra sempre uma maneira”. Claro que ninguém tem bola de cristal para dizer que sim ou não com certeza. Mas como estudioso da vida no planeta, passada e presente, tenho toda convicção possível que, independentemente da magnitude das alterações que o homem venha a causar na Terra, ele não aniquilará a vida do planeta. Quando de sua eventual extinção (no fundo, independentemente dela), a vida, sim, continuará a florescer em “Endless Forms Most Beautiful”.
“Com seu cientismo …, o paleontólogo dá combustível aos desinformados que acham que a ciência destrói as noções humanas naturais de certo e errado.” Você não precisa lançar mão do “cientismo” para se dar conta, filosoficamente, que as noções humanas de certo e errado não são naturais, dependem do momento, do contexto. Algumas são mais comuns entres as diferentes sociedades, até porque elas (as sociedades) precisam de certa ordem para se manter. Atitudes ambientalistas podem muito bem ser a melhor alternativa para a sociedade humana (para sua preservação, ou a de qualquer outra espécie ou ecossistema que se queira), não discordo disso, discordo delas (atitudes ambientalistas) serem consideradas como um valor em si, “certas”, inatacáveis, totalitárias, e não relativizadas pelo conhecimento acumulado sobre a vida e o homem.
“nós temos consciência da bagunça que causamos … Sabendo disso, é moralmente correto passarmos feito um trator por cima de todas as demais formas de vida da Terra?” Primeiro, não é bagunça! É uma espécie agindo naturalmente como qualquer outra. Na verdade, até acho que a natureza pode ser entendida como uma “bagunça”, mas estamos nela juntos com as outras espécies. Segundo, acho a consciência humana supervalorizada, além de mal definida (temos que saber minimamente do que estamos falando antes de usar o termo). Mesmo que ela exista em cada indivíduo (mas leiam “Cachorros de Palha” de John Gray ou vejam os vídeo de Claudia Feitosa-Santana no “Casa do Saber” para terem dúvidas disso), não existe de forma coletiva para uma espécie. “A espécie” não pode redirecionar suas atividades, pois essas são tão somente o somatório das atividades dos organismos que a compõe. Não existe “bunker de comando”. Por fim, ainda que fossemos conscientes (o que não acho que somos) e estivéssemos “bagunçando” (o que não acho que estamos), não existe imperativo moral algum em fazer as coisas de qualquer outra maneira. Em primeiro lugar, pois a moral é conjectural (portando nada é imperativo), mas também porque defender uma certa espécie (ou conjunto de) é agir contra outras espécies com as quais ela interage de forma negativa (e isso sempre ocorre). Não tem para onde correr, a “não ação” é “ação” e certas “ações” só são entendidas como benéficas pois nossa visão é limitada.
“A resposta de Langer talvez seja a de que o Cosmos é amoral por definição. Pode ser – embora isso seja um pressuposto filosófico que o sujeito escolhe, não um fato demonstrável.” Me pergunto qual a alternativa? O Cosmos teria moralidade? Qual seria essa?
“Mas seres humanos continuam sendo seres morais. Quando não se fazem esse tipo de pergunta, correm o risco de deixar sua humanidade para trás.” Que tipo de pergunta? Entender o cosmo como amoral iria contra nossa humanidade? Eu entendo nossa humanidade como una com o resto da natureza, com o resto do Cosmos, e como tal não tem nada a dizer fora do escopo dos mesmos.
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