O desafio de transformar vírus em armas anticâncer
Na semana passada, escrevi aqui na Folha sobre uma pesquisa que está usando um método inovador contra retinoblastomas, cânceres que costumam afetar a retina de crianças pequenas. Trata-se de um vírus geneticamente modificado para atacar apenas as células do retinoblastoma, tirando partido de modificações específicas na biologia molecular dos componentes tumorais.
A pesquisa é coordenada por Ángel Montero Carcaboso, que trabalha no Instituto de Pesquisa Sant Joan de Deu (ou São João de Deus, em português), de Barcelona. Os testes iniciais descritos no artigo se referem a apenas duas meninas de dois anos de idade. Em uma delas, os vírus modificados conseguiram atacar massas tumorais que tinham se espalhado pelo humor vítreo (no globo ocular), mas não na própria retina. No segundo caso, os resultados foram mais inconclusivos. De qualquer maneira, a estratégia continua sendo considerada promissora.
Montero Carcaboso respondeu brevemente a algumas perguntas que lhe fiz sobre o trabalho. Eis a íntegra do que ele me disse abaixo.
“Não podemos generalizar os resultados em pacientes até que não termine o ensaio clínico [teste em humanos, nesse caso é a chamada fase 1 — no total são 3 fases, com número crescente de pacientes]. Os dois casos do artigo são os das primeiras pacientes, e não podemos tirar conclusões definitivas a partir desses casos para os pacientes futuros. Por exemplo, não podemos generalizar a ideia de que a ação oncolítica [destruidora de tumores] não chega à retina, ou chega melhor ao humor vítreo. Nosso ensaio clínico está aberto e recrutando pacientes em Barcelona. O ensaio completo incluirá um máximo de 13 pacientes.”
É importante lembrar que, justamente por ser um teste clínico fase 1, os resultados ainda não são suficientes para trazer informações seguras sobre eficácia, o que só vem na fase 2; o foco agora é avaliar a segurança do procedimento.
Alguns vírus similares já estão sendo aprovados para uso contra outros tipos de câncer pelas agências regulatórias de países como a China e os EUA. A esperança é que esse tipo diferente de ataque aos tumores consiga driblar a resistência à quimioterapia das células cancerosas, um dos principais empecilhos ao tratamento hoje. É claro que isso também levanta questões de segurança, como o risco a células saudáveis e uma reação descontrolada do sistema de defesa do organismo aos vírus, que os cientistas têm tentado controlar no próprio “design” viral.
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