Mais sobre as antigas origens amazônicas do “milho 2.0”

Reinaldo José Lopes

Já faz algum tempo que tive o prazer de escrever para esta Folha uma reportagem com dados arqueológicos e genéticos surpreendentes sobre as origens do milho. Em resumo, novas análises mostraram que, apesar de ter sido cultivado pela primeira no México, o cereal passou por uma importante fase de melhoramento na Amazônia, milhares de anos atrás, antes de se tornar um dos cultivos mais importantes das Américas e do mundo. Conversei com o arqueólogo brasileiro Jonas Gregorio de Souza, da Universidade de Exeter (Reino Unido), sobre esse importante estudo e só usei um trechinho do que ele falou. Portanto, publico agora a íntegra das declarações dele. Boa leitura!

——-

“Na verdade, nós não estamos negando a importância dos Andes [como centro de melhoramento do milho na América do Sul], apenas ressaltando esse outro centro nas terras baixas [o que inclui o Brasil e a Amazônia como um todo] que não havia recebido a devida atenção anteriormente. O que os dados genéticos mostram é que há duas populações distintas de milho na América do Sul – a andina/Costa do Pacífico e a das terras baixas. Existe também uma terceira que está presente em todas as Américas, mas sua data de divergência é posterior à das duas populações sul-americanas.

Essa distinção entre o milho das terras altas e das terras baixas já havia sido notada, na verdade, desde os primeiros trabalhos do Fábio Freitas [pesquisador da Embrapa e coautor da pesquisa]. Quanto à dificuldade da agricultura do milho na Amazônia, vale lembrar que a domesticação da espécie ocorreu em ambiente de floresta tropical sazonal no México, na região do Balsas. Parece ter sido mais difícil adaptá-lo a ambientes frios do que a outros ambientes tropicais. Basta lembrar o caso dos Estados Unidos, onde o milho demora a se dispersar enquanto não surgem variedades de maturação rápida adaptadas a uma estação quente curta. Apesar disso, o milho é extremamente versátil, como atestam as inúmeras variedades adaptadas às condições locais em quase todas as Américas.

O termo reconstruído para milho em proto-Arawak [idioma ancestral de cerca de 60 línguas indígenas amazônicas e do resto das Américas] é *marikɨ. Essa raiz está na origem do espanhol maíz, emprestado dos Arawak caribenhos. Não é possível reconstruir um termo para milho em proto-Macro-Jê [outro idioma ancestral importante da América do Sul], mas entre as línguas desse tronco, encontramos maki em Karajá, maltʃi em Yathê (Fulniô), maki em Puri, entre outras, claramente um empréstimo de alguma língua Arawak.

Esses grupos estavam separados por vastas distâncias e, com exceção dos Karajá, não tinham contato direto com povos Arawak. Assim, a palavra deve ter se dispersado de grupo em grupo, indiretamente, a partir de algum centro Arawak. O mais provável é q tenha se dispersado do Alto Xingu por volta do ano 1000, período de altas densidades populacionais em todas as terras baixas, quando também surgem aldeias circulares semelhantes às Arawak entre os povos Jê e Macro-Jê do leste. A genética do milho mostra uma dispersão oeste-leste de um novo componente (com origem andina) justamente nesse período, então os dados das várias disciplinas estão todos contando a mesma história.

Os dados linguísticos também não são novos, faz tempo que foram levantados pelo meu colega Eduardo Ribeiro, especialista no tronco Macro-Jê e co-autor do artigo.”

—–
————–

Conheça o canal do blog no YouTube

Siga-me nas redes sociais: Facebook (do blog), Facebook (pessoal), Twitter, Instagram

Meu Currículo Lattes