O Antropoceno, o Sistêmico e o Complexo: debate na USP

Reinaldo José Lopes

Mais uma vez fui gentilmente convidado pelo professor José Eli da Veiga para um debate no Instituto de Estudos Avançados da USP. O tema foi o diálogo entre a proposta de uma nova fase da história geológica da Terra, o Antropoceno, caracterizada pelos impactos da ação humana sobre o planeta, e as teorias científicas que buscam abranger sistemas complexos — como a Terra, é claro. Confira o vídeo da conversa abaixo.

Um dos motivos para o papo é que Zé Eli, como carinhosamente o chamamos, está lançando mais um livro entre as dezenas que já publicou, com o título “O Antropoceno e a Ciência do Sistema Terra”. Confira abaixo a orelha do livro, escrita por este repórter, que dá uma ideia do conteúdo da obra.

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“José Eli da Veiga é um dos poucos intelectuais brasileiros a quem costumo chamar de polímata sem o menor constrangimento. Este livro deixa claro por que qualificá-lo assim não é exagero ou lisonja. Não é para qualquer um, afinal, a tarefa de transitar, em pouco mais de uma centena de páginas, por áreas tão distintas quanto a biologia evolutiva, a climatologia, o pensamento econômico e a filosofia – para, a partir daí, esboçar as linhas-mestras do raciocínio que tem nos levado a conceber a humanidade não mais como uma simples espécie de mamífero de grande porte, mas como uma força geológica, talvez a força geológica por excelência hoje.
Esse é o conceito central por trás do termo Antropoceno, a Época do Homem. Especialistas ainda debatem como (e se) o Antropoceno pode se tornar parte da nomenclatura oficial usada por geólogos do mundo todo. A maioria dos defensores da ideia hoje parece preferir que o início do Antropoceno seja definido pelos testes nucleares de meados do século XX. O livro é, em parte, a crônica dos debates e das indefinições acerca de tal terminologia.

Mas a obra também abrange um tema muito mais amplo: o que a ciência diz sobre as propriedades emergentes derivadas da interação entre aspectos vivos e não vivos da história da Terra e como, ao menos por enquanto, ainda não temos um vocabulário científico totalmente consistente, quantificável e “testável”, para entender como tais propriedades emergem. Se é difícil negar que já adentramos o Antropoceno, é igualmente complicado afirmar com algum grau de certeza o que isso significará.

Não passa despercebida ao autor a ironia de nossa situação atual – com efeito, tal ironia é apontada com clareza em diversas passagens do livro. Por um lado, agora é possível enxergar com clareza algo desesperadora como a ação humana fragilizou múltiplos aspectos da estabilidade geológica e ecológica que tinha caracterizado o Holoceno (a época que precedeu o Antropoceno) por tantos milênios. Boa parte desses impactos pode ser quantificada e modelada com precisão.

Por outro lado, entretanto, tais modelos, típicos da Ciência do Sistema Terra, ainda não acharam um meio satisfatório de incorporar aspectos sociais, políticos e culturais em suas tentativas de vislumbrar como há de se desenrolar o Antropoceno. E o problema, claro, é que, sem esse tipo de input, nossas imagens do futuro tendem a adquirir o aspecto de esqueletos despidos de carne, nervos e sangue. Para dar um exemplo banal (e que talvez se torne datado em poucos anos), qual o impacto da ascensão global dos movimentos ligados à direita nacionalista, que tendem a enxergar a preocupação com a sustentabilidade como inimiga da soberania nacional, nas projeções climáticas para o fim do século 21? É claro que é brutalmente difícil levar em conta esse tipo de informação no arcabouço dos modelos existentes, mas isso não elimina a necessidade de tentar.

O livro que você tem em mãos não oferece respostas prontas sobre tudo isso – ainda bem. Mas é um mapa sucinto e claro das perguntas que devemos continuar a fazer.”

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