Netanyahu falando de DNA palestino? Receita para o desastre

Reinaldo José Lopes

Um político proeminente de uma etnia falando das origens genéticas de outra etnia com quem tem péssimas relações — o que poderia dar errado, não é mesmo?

Tudo, é claro. Foi o que aconteceu quando o premiê israelense Binyamin Netanyahu se meteu a comentar um estudo publicado na prestigiosa revista especializada Science Advances sobre o DNA dos antigos filisteus, inimigos mortais dos israelitas bíblicos — é o povo ao qual pertencia o gigante Golias, derrotado por David, segundo a narrativa do Antigo Testamento. (Veja a bela pintura do século 17 retratando a cabeça de Golias, feita por Andrea Vaccaro, acima).

O nome dos filisteus é o que acabou dando origem ao dos palestinos modernos. O novo estudo, liderado por Michal Feldman, do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana (Alemanha), corroborou a ideia, já presente na Bíblia, de que os filisteus seriam descendentes de imigrantes do sul da Europa, talvez ligados aos gregos da Idade do Bronze, os micênicos.

Até aí tudo bem. Só que o estudo mostrou também que, com o passar do tempo, esses genes europeus foram sumindo da população filisteia. Feldman e seus colegas propõem que isso aconteceu por causa dos casamentos frequentes dos imigrantes com a população nativa, os cananeus, que foram “diluindo” o DNA dos recém-chegados com o passar dos séculos.

Conclusão de Netanyahu em sua conta do Twitter? “Não há conexão entre os filisteus e os palestinos modernos, que vieram da península Arábica milhares de anos depois. A conexão dos palestinos com a Terra de Israel não é nada se comparada à conexão de 4.000 anos que o povo judeu tem com essa terra.”

Devo dizer que essa doeu. É uma besteira sem tamanho o que Netanyahu disse.

Isso porque já foram feitos inúmeros estudos sobre a genética de judeus e palestinos MODERNOS. Os resultados são complexos e merecem uma análise mais detalhada outro dia, mas como conclusões gerais bastante firmes podemos citar os seguintes dados:

1)A proximidade genética entre as duas etnias é considerável; palestinos frequentemente aparecem como o grupo externo mais próximo dos diferentes ramos da etnia judaica atual;

2)Existe considerável continuidade genética entre TANTO os judeus modernos e as populações antigas da Terra Santa QUANTO entre os palestinos atuais e os habitantes da região na Idade do Bronze;

3)É quase certo que muitos dos palestinos atuais, possivelmente a maioria, descenda de judeus e cristãos da área que se converteram ao Islã após a conquista muçulmana (fora os palestinos que ainda são cristãos, claro). Houve imigração árabe para a região? Houve, mas foi coisa relativamente modesta.

É a velha história, como diz meu amigo e coautor Pirula: a ciência só está certa quando concorda comigo, certo, seu Netanyahu?

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