Pesquisador escreve em defesa dos ecochatos
Mais uma vez, é com imenso prazer que abro o espaço do blog para pesquisadores brasileiros. O post abaixo foi escrito pelo professor Carlos Eduardo de Viveiros Grelle, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ele discute, abaixo, o termo “ecochatos”, e a importância da preocupação ambiental para a sociedade e a economia. Boa leitura!
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Em qualquer sociedade democrática é normal, e até saudável, que as pessoas pensem de forma diferente. E que também possam se manifestar construindo um diálogo com todos os pontos e contrapontos, até idealmente chegarem a um consenso.
Na nossa sociedade existe um grupo de pessoas conhecidas como ecochatos. Algumas pessoas se preocupam com a preservação dos animais e plantas nativas, e o ambiente de uma forma geral. Entre eles há os que são ativistas e advogam claramente por questões ambientais no nosso dia-a-dia, e são conhecidos como ecochatos. Insistem em defender a natureza e frequentemente são malvistos por parte da sociedade, embora estejam argumentando em prol de todos.
Embora infelizmente não seja um senso comum, a preservação dos processos ecológicos, incluindo a manutenção das populações dos animais e das plantas nativas e da polinização, tem relação direta com a oferta de alimentos para nossa sociedade, a manutenção dos ciclos hídricos e a temperatura no planeta, entre outras vantagens.
E não tem mágica. A recente crise hídrica e o déficit de polinização foram causados pela perda de áreas florestadas e redução das populações de polinizadores. Alguém duvida que é mais agradável e salubre viver em um lugar arborizado do que em uma cidade cinza? Já foi comprovado que pacientes internados em hospitais com vista para áreas arborizadas da janela têm alta médica mais rápido do que aqueles que só ficam vendo construções cinzas no horizonte de suas janelas.
Adoro a natureza e ficar ao ar livre, mas não sou um ecochato e não fico tentando convencer as pessoas da importância da preservação da natureza por meio de conversas com conhecidos no final de semana. Minha área de atuação é dentro do ambiente acadêmico. Como pesquisador na área de ecologia, produzo conhecimento científico que pode ser usado na elaboração de estratégias de conservação das espécies e ecossistemas, e de políticas públicas.
E os resultados das minhas pesquisas são enviados para revistas científicas, onde seus conteúdos são avaliados por colegas ingleses, alemães e americanos, entre outros. Como não sou leigo, sei das iniciativas internacionais, tais como Convenção da Conservação da Biodiversidade, Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, Painel Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, mas aqui quero tratar de um assunto fora da academia, e que vejo sendo menosprezado pela sociedade brasileira.
Valorizo os ecochatos, incluindo as organizações não governamentais ecochatas. Frequentemente eles estão na linha de frente dos movimentos ambientalistas tentando convencer as pessoas do óbvio. Notem que não considero como ecochatos os que querem impedir o uso de cobaias em pesquisas científicas que, entre outros benefícios para a sociedade, permitem o desenvolvimento de vacinas. Esses são perigosos, porque tentam impedir o desenvolvimento de pesquisas na área da biomedicina.
Retornando aos ecochatos, infelizmente a ignorância ambiental no Brasil parece ser das poucas coisas republicanas, já que atinge tanto ricos como pobres. Ou não é uma burrice poluir as praias, as lagoas e os rios que são áreas de lazer? Ou mesmo jogar o lixo no chão das ruas e pracinhas? Só para citar algumas das muitas atrocidades ambientais que acontecem diariamente nas nossas cidades.
Ninguém é obrigado a gostar da natureza e da vida ao ar livre. O livre arbítrio nos permite escolher o que fazer, incluindo passar o final de semana em casa no ar-condicionado vendo filmes, lendo livros ou jogando. O que não devemos é esquecer que fazemos parte da natureza e que dependemos dela para manter nosso bem-estar.
Podem acreditar que os ecochatos são bem-intencionados e têm importância na nossa sociedade. Quando vejo poucos lutando pelo coletivo, lembro-me (em tradução livre) da célebre frase do primeiro-ministro britânico Winston Churchill dirigida à Real Força Aérea na Segunda Guerra Mundial: nunca tantos deveram tanto a tão poucos. Deveríamos dar mais atenção aos ecochatos e pensar em como estará o ambiente do Brasil quando nossos netos e bisnetos estiverem vivendo por aqui. E acho que quem tem esse tipo de preocupação não deve ser chamado de chato.