Tudo o que você precisa saber sobre a genômica da homossexualidade

Reinaldo José Lopes

Já faz um tempo que saiu a grande pesquisa sobre a genômica da homossexualidade, a respeito da qual escrevi nesta Folha. Mas o assunto é importante pra dedéu, e as pessoas ainda falam bobagem, então segue o fio, como dizemos lá no Twitter, pra saber o essencial sobre o tema.

1)Se tem uma coisa que a pesquisa NÃO mostrou foi uma suposta inexistência da contribuição genética para o comportamento homossexual. É justamente o contrário. A contribuição EXISTE e é IMPORTANTE, só que ela está espalhada pelo genoma.

2)Na verdade, o que os dados sugerem é que MILHARES DE GENES, cada um com contribuição minúscula, parecem influenciar o comportamento homossexual. Umas cinco regiões do genoma ficaram um pouquinho acima desse média minúscula, mas não muito acima.

3)Bom, esse padrão é o ESPERADO pra características complexas. É a mesma coisa que a gente vê na altura de uma pessoa, na tendência a ela ser extrovertida, a ganhar pouco ou muito peso, a ter talento pra escrever ou tocar um instrumento etc.

4)Bom, aí apareceu o número mágico: de 8% a 25% da variação no comportamento homossexual entre as pessoas estaria ligado a esse agregado de variantes genéticas. Beleza. Só que…

5)Essas variantes são SNPs (pronuncia-se “snips”), que são trocas de uma só letra nos 3 bilhões de pares de letras de DNA que todos nós temos no nosso genoma. Esse é o único tipo de variação que tem no DNA? Na-na-ni-na-não. Não é.

6)Dá pra duplicar ou deletar mais letras. Dá pra duplicar ou deletar genes inteiros (uma ou ambas as cópias de cada gene). Dá pra arrancar pedaço inteiro de cromossomo. O diabo a quatro. Então lógico que o estudo só capturou PARTE da variação genética que pode estar ligada a isso.

7)Tanto que, quando os pesquisadores esqueceram os SNPs e olharam apenas pro índice de parentesco entre pessoas cujo DNA foi usado no estudo, a aparente contribuição genética pro comportamento homossexual subiu pra mais de 30%…

8)… que já era o dado que se via em estudos com gêmeos idênticos/gêmeos fraternos/irmãos que não são gêmeos etc.

9)Mas, claro, não é 100% a contribuição genética. CLARO que não é 100%, pela própria complexidade e variabilidade da característica. Lembrem-se de que na amostragem eles separaram os 100% héteros das pessoas que disseram ter tido pelo menos UMA experiência sexual gay.

10)E tem mais, não é por não ser genético que não é biológico. Fatores como o ambiente hormonal na gravidez, que depende de mil coisas, podem influenciar. Biologia sim, genética não.

11)Detalhe importante: tudo indica que ser um homem gay e ser uma mulher lésbica são coisas bem diferentes INCLUSIVE NO NÍVEL GENÔMICO. Há alguma superposição nos dados do novo estudo, mas variantes diferentes pra cada caso também. Óbvio, se a gente para pra pensar. A biologia de homens e mulheres é bem diferente, mesmo quando ambos se interessam por membros de seu próprio sexo.

12)Outra coisa interessantíssima é que NÃO SÃO AS MESMAS VARIANTES que, de um lado, fazem a pessoa ficar no grupo “ao menos uma experiência homo” e ir além disso pra “só faz sexo com pessoas do mesmo sexo”. Não parece ser um “continuum” em linha reta, tem alguns saltos aí.

13)Lembremos das limitações: o estudo foi feito com a)pessoas com mais de 40 anos de idade, em geral, b)etnicamente europeias, em geral, c)dos EUA, do Reino Unido e da Suécia.

14)Isso é só o começo. Genômica de características complexas, pra dar resultado, precisa de Big Data. Tipo REAL BIG Data. E DNA nunca, jamais, vai explicar tudo.

15)E assim, a tal da “cura gay” nunca esteve tão impossível (além de antiética) quanto agora. Boa sorte tentando mexer em milhares de genes ao mesmo tempo pra ter uma pequena chance de que seu filho não nasça gay…

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