Conheça as micromáquinas que transmitem mensagens biológicas

Reinaldo José Lopes

Estamos de volta com mais uma colaboração aqui no blog. Trata-se de um dos artigos de divulgação cientifica produzidos por alunos do PPGGEv (Programa de Pós-Graduação em Genética Evolutiva e Biologia Molecular) da UFSCar, a gloriosa Universidade Federal de São Carlos, aqui pertinho de casa. Desta vez, a professora Patrícia Domingues de Freitas e o aluno Caio Oliveira explicam o funcionamento intrincado das moléculas que atuam como sinalizadoras biológicas. Boa leitura!

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Se pudéssemos definir, de forma lúdica, sistemas celulares extremamente complexos, como os de sinalização celular, essenciais ao bom funcionamento de todo ser vivo, poderíamos fazer um paralelo entre eles e as fábricas, nas quais diversos processos consecutivos e interdependentes são realizados por integrantes que transmitem e recebem informações, desempenhando variadas funções de forma eficiente.

Na célula, essas tarefas podem ser mediadas por moléculas especiais como as proteínas. Essas macromoléculas orgânicas, de composição e forma diversificadas, executam uma vasta gama de tarefas, inclusive a comunicação e sinalização entre células. Além de desempenharem papéis específicos, as proteínas podem também interagir entre si, modificando suas estruturas e consequentemente suas funções. Uma forma de modificação da função proteica ocorre quando duas ou mais proteínas interagem e desempenham uma função adicional, diferente daquela que exerciam individualmente. Essa interação pode promover efeitos de largo alcance, alterando momentaneamente, ou até permanentemente, a função de uma célula.

As vias metabólicas, ou “pathways”, em inglês, consistem exatamente em interações entre proteínas e outros tipos de grandes moléculas biológicas, como carboidratos e lipídios, que alteram o estado fisiológico da célula e promovem a formação de novas moléculas, facilitando a produção e a degradação de diferentes compostos. É assim que acontecem alguns processos celulares como a digestão de moléculas e a produção de energia.

Um estudo recente, envolvendo 15 grupos de pesquisa dos Estados Unidos, Canadá, Espanha e Bélgica, contabilizou a existência de pelo menos 14 mil interações do tipo proteína-proteína na espécie humana. Esse estudo, coordenado pelo pesquisador Marc Vidal, da Universidade Harvard, considerou apenas as interações de tipo binário, ou seja, que envolviam exclusivamente duas moléculas.

Outro importante estudo em vias metabólicas, comandado pelo pesquisador Peter Karp, do Instituto de Pesquisa de Stanford, nos EUA, descreveu cerca de 135 vias metabólicas relacionadas ao conteúdo nutricional de alimentos comumente consumidos pela população humana e seu papel na degradação e produção de novas moléculas. Essa pesquisa ressaltou que tais vias não representam o mapa do metabolismo humano completo, mas refletem “uma porção significativa dele”.

Além da função de degradar ou sintetizar compostos, existem vias que possuem a tarefa de transmitir informações por meio da comunicação ou sinalização celular à distância. Esse processo, cientificamente conhecido como “transdução de sinal”, só acontece porque proteínas distintas interagem e repassam a mensagem entre células. Entretanto, diferentemente da brincadeira de “telefone sem fio”, em que erros na transmissão do recado geram boas gargalhadas, pequenas alterações na transdução de sinal podem produzir consequências desastrosas para célula.

Um exemplo de via de sinalização celular extremamente importante é a WNT, termo derivado da junção dos nomes em inglês de dois genes: Wingless e int1. Essa via tem a função de “ligar” diversos genes relacionados à proliferação celular e formação correta do embrião. Qualquer erro na regulação dessa via pode comprometer o desenvolvimento embrionário e afetar drasticamente o feto, ocasionando malformações. Por esse motivo, a ativação de vias de sinalização intracelulares, como a WNT, passa por um controle extremamente rigoroso.

A regulação de vias ocorre em várias etapas e de diferentes formas, sendo que a checagem de seu funcionamento visa a garantir a precisão de todo o processo, tanto espacial quanto temporalmente. Geralmente, esses controles se dão em pontos cruciais da via, em que uma etapa pode ser estimulada ou interrompida para um ajuste no seu funcionamento. Se a molécula específica for essencial para o funcionamento da respectiva via e se estiver em alta quantidade, por exemplo, a via será estimulada; se ela, porém, estiver em baixos níveis, a via será inibida. Esse processo é conhecido como regulação.

A desregulação em vias de sinalização celular pode gerar problemas sérios no organismo. No exemplo da via WNT, estudos realizados há mais de três décadas demonstraram a existência de uma correlação entre a superativação dessa via e a formação de tumores em humanos e camundongos, os quais podem originar câncer de mama e de cólon. Estas pesquisas têm se mostrado extremamente interessantes, uma vez que essa via parece ser responsável pela ativação de proto-oncogenes, que são genes responsáveis pela ativação de outros genes que podem desencadear o processo de desenvolvimento tumoral em um indivíduo.

Na via WNT existem diferentes moléculas interagindo e desempenhando funções, como transmitir informações entre células. A molécula que ativa esta via é uma proteína conhecida como beta-catenina. Por isso, essa via é também chamada de WNT/beta-catenina.

A beta-catenina, no entanto, tem sua atividade controlada por um outro complexo proteico, no qual uma das principais proteínas é a GSK3-beta, que tem a função de fosforilação, ou seja, adicionar fosfato à beta-catenina. Uma vez fosforilada, a beta-catenina será reconhecida por um outro complexo proteico que promoverá sua ubiquitinação, processo que adiciona pequenas proteínas chamadas ubiquitinas à estrutura de uma outra proteína-alvo.

A ubiquitinação possibilita a degradação da beta-catenina por um grande complexo proteico que digere proteínas: o proteassoma. Por outro lado, se a beta-catenina não for degradada, ela vai se acumular na célula e migrará para o núcleo, ativando a expressão de alguns genes que podem regular a proliferação e desenvolvimento celular, causando um crescimento descontrolado de alguns tipos de células que podem gerar cânceres.

Uma pesquisa recente, envolvendo pesquisadores da USP de Ribeirão Preto e da Universidade de Cambridge (Reino Unido), mostrou que a GSK3-beta também sofre regulação por meio de ubiquitinação. Assim, tanto a beta-catenina quanto a GSK3-beta são capazes de sofrer regulação por meio de fosforilação e ubiquitinação. São esses processos que auxiliam o a regulação das vias pela ativação/desativação da função proteica. Estudos realizados na Universidade Federal de São Carlos também têm tentado compreender melhor as proteínas e seus papéis na regulação de vias, como a WNT.

O grupo de pesquisa liderado pelo professor Felipe Roberti Teixeira, do Programa de Pós-Graduação em Genética Evolutiva e Biologia Molecular da UFSCar, está buscando entender um modelo celular relacionado ao controle de ativação de sinalização de vias, devido a interações entre proteínas que geram modificações pós-traducionais (após a fabricação da proteína), como as fosforilações e ubiquitinações. Essas interações proteicas promovem efeitos que podem inibir ou estimular a via, causando mudanças fisiológicas importantes nas células.

Para Teixeira, a descoberta de novos mecanismos de regulação de vias intracelulares permitirá intervenções farmacológicas em pontos específicos, contribuindo para diminuir os efeitos colaterais decorrentes do tratamento de determinadas doenças. Para o pesquisador, apesar dos processos de controle e sinalização de vias serem complexos, o estudo e o conhecimento de proteínas e suas funções tem avançado, possibilitando o entendimento de mecanismos importantes que tornam possível a regulação precisa e eficaz das vias metabólicas.

Aplicar esse conhecimento para estabelecer mecanismos de controle e até mesmo de cura de doenças originadas pela desregulação de vias intracelulares de transmissão de sinais, como é o caso de alguns tipos de câncer, é uma das grandes metas desses estudos.

MODIFICAÇÕES PÓS-TRADUCIONAIS: FOSFORILAÇÃO E UBIQUITINAÇÃO

Após as proteínas serem produzidas, pode ser que, para executar sua função, ainda haja a necessidade de que elas sejam modificadas. Uma dessas formas de modificação é a fosforilação, quando há a adição de um grupamento químico chamado fosfato – composto por um átomo de fósforo – em algum ponto da proteína, por meio de enzimas especializadas nessa função chamadas quinases.

A fosforilação pode atuar ativando ou inativando a função da proteína que foi fosforilada. Outra modificação pós-traducional ocorre quando proteínas necessitam ser degradadas: há uma maquinaria celular encarregada de reconhecer essa proteína e “identificá-la” para degradação. Três complexos são utilizados para adicionar um sinal a uma proteína que será degradada em um quarto complexo.

Com esse sistema, a célula gera blocos construtores de proteínas livres, prontos para serem utilizados para sintetizar outras proteínas e serem utilizá-los no metabolismo da célula para várias outras finalidades. Essa “marcação” para degradação de uma proteína é feita com a adição de uma molécula proteica chamada ubiquitina, processo conhecido como ubiquitinação.

As proteínas ubiquitinadas são reconhecidas por um complexo chamado de proteassomo, que é responsável pela desmontagem da proteína que está marcada com a ubiquitina.

Nesse modelo, a presença da molécula de ubiquitina sinaliza a degradação de uma determinada proteína, certo? Classicamente, essa é a função da ubiquitina, mas diversos estudos têm mostrado que há várias formas de a ubiquitina ser ligada na molécula-alvo, e nem sempre essa ligação envia a proteína para degradação. Essas diferentes maneiras de adição da ubiquitina podem gerar diferentes resultados que podem, inclusive, atuar como um modulador de função de uma proteína, sendo capaz de fazer da ubiquitinação uma forma de regulação de uma via metabólica.

PROTO-ONCOGENES

Segundo uma publicação da revista Nature, proto-oncogenes são regiões do genoma que, quando alteradas, transformam uma célula saudável em uma célula tumoral. As proteínas derivadas desses genes geralmente têm função de evitar que a célula entre em processo de morte, e estimulam a proliferação e divisão celular, contribuindo para a manutenção de um organismo. O grande problema se dá quando esses genes sofrem uma mutação. A partir daí, eles deixam de ser “proto” e passam a ser de fato “onco” genes, aumentando a sua expressão a níveis tão elevados que as células passam a se multiplicar descontroladamente, gerando aglomerados celulares conhecidos como tumores, os quais podem ocasionar o câncer.

Fontes consultadas:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25416956
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15642094
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27503909
https://www.nature.com/scitable/topicpage/proto-oncogenes-to-oncogenes-to-cancer-883
https://www.nature.com/onc/journal/v36/n11/pdf/onc2016304a.pdf
https://www.drugtargetreview.com/news/33901/cell-signalling-new-treatments/