Filiação religiosa e o arrependimento pelo voto em Bolsonaro
É com alegria que recebemos mais um colaborador qualificadíssimo aqui no blog. O professor André Ricardo de Souza é doutor em sociologia pela USP, professor associado do Departamento de Sociologia da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), pesquisador do CNPq e coordenador do Nerep (Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política). No texto abaixo, ele analisa o elo entre filiação religiosa, o voto em Bolsonaro e os que se arrependeram desse voto. Boa leitura!
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Religião e o arrependido voto em Bolsonaro
André Ricardo de Souza
O apelo religioso vem sendo um fator nada pequeno da força política nacional do católico Jair Messias Bolsonaro. E isso desde quando ele foi simbolicamente batizado no israelense Rio Jordão, em maio de 2016, pelo ex-candidato à Presidência da República e pastor assembleiano Everaldo Pereira, algo que levou parte dos evangélicos até a pensar que Bolsonaro abraçara a religião deles.
A proximidade com sacerdotes carismáticos católicos, o ostensivo apoio dos líderes de grandes igrejas e a presença em seu governo da pastora Damares Alves – ministra defensora da moral tradicional sexual e familiar – só fizeram aumentar o respaldo cristão-conservador do político. Vale lembrar que Bolsonaro foi eleito com 69% dos votos evangélicos, assim como 55% dos espíritas (ainda chamados por muitos de “kardecistas”), 51% dos católicos e 45% dos sem religião, conforme pesquisa Datafolha feita em 2018, três dias antes do primeiro turno.
Além dos pentecostais – prevalentes entre os evangélicos e marcados por baixos níveis de escolaridade e renda -, Bolsonaro tem também como extrato de maior fidelidade a ele o composto por homens ricos empresários, que muito se identificam com seu modo de governar, basicamente, por uma questão de classe social.
Isso faz com que ele mantenha a seu favor, de modo muito sólido, o topo e uma parcela expressiva da base da pirâmide social brasileira. A despeito dos grandes danos ambientais (sobremaneira na Amazônia), da prolongada crise econômica, dos incidentes diplomáticos com implicações comerciais e, principalmente, do posicionamento negacionista e até incendiário frente à pandemia do coronavírus, apenas 17% dos eleitores do ex-capitão do Exército se arrependeram de ter votado nele, de acordo com outra pesquisa Datafolha, feita de 1 a 3 de abril.
Entre os arrependidos, 22% são católicos, 14% irreligiosos, 12% evangélicos (pentecostais e demais) e 10% espíritas. A partir de tais dados, grosso modo, pode-se dizer que a classe média católica que bate panelas em protesto contra ele tem pelo menos o dobro do tamanho da espírita.
A rejeição ainda maior dos católicos a Bolsonaro atualmente se deve, em parte, à influência exercida sobre eles pelo papa Francisco, reconhecidamente avesso ao atual presidente, algo que se tornou mais evidente com embate envolvendo o Sínodo da Amazônia, ocorrido em outubro passado, e também após a visita de Lula ao pontífice em fevereiro.
Levantamento do mesmo instituto de pesquisa feito em agosto de 2019 – portanto, antes desses acontecimentos – havia mostrado que 42% dos católicos desaprovavam o governo Bolsonaro, cifra esperadamente bem maior que a dos evangélicos (27%), porém menor que a dos espíritas (46%).
Se os pentecostais estão na base, os espíritas se encontram no topo piramidal, também conforme o censo demográfico de 2010. A partir disso se explica, em boa medida, a afinidade espírita com Bolsonaro, algo que é superior ao conjunto dos evangélicos. Estes, por sua vez, parecem estar compreendendo aos poucos, muito vagarosamente, a dimensão de seu engano quanto ao Messias banhado no Jordão quatro anos atrás.
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