Proteção ambiental seria prevenção barata contra novas pandemias, diz grupo

Investimentos em redução do desmatamento, controle do tráfico de animais silvestres e monitoramento de possíveis doenças emergentes seriam uma maneira relativamente barata de evitar estragos causados por futuras pandemias, afirma um grupo de cientistas — principalmente se essas medidas forem comparadas com o custo de não fazer nada.

Em artigo na revista especializada Science, eles calculam que um programa de prevenção global desse tipo custaria, ao longo de dez anos, apenas 2% do prejuízo que a economia do planeta deve sofrer em 2020 com a crise da Covid-19 (pelo menos US$ 5 trilhões). Mesmo que uma pandemia com efeitos severos acontecesse apenas uma vez a cada cem ou 200 anos, o investimento ainda valeria a pena se ajudasse a reduzir o risco de um evento como esse pela metade.

Assinado por uma equipe internacional de pesquisadores em países como os EUA, o Quênia e a China, o trabalho contou ainda com a participação de Mariana Vale, do Departamento de Ecologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O ponto de partida dos pesquisadores é simples: ao menos 60% das doenças emergentes modernas surgiram como moléstias infecciosas oriundas de animais, e a maioria delas veio de espécies silvestres. Em muitos casos, além disso, o surgimento de uma nova doença infecciosa depende de um tripé epidemiológico: 1)a espécie selvagem que funciona como reservatório de um novo vírus, 2)animais domésticos que entram em contato com essa espécie e passam a transmitir o patógeno e, por fim, 3)os seres humanos.

“A taxa de contato das pessoas com animais silvestres, o tamanho da população humana e de animais de criação e o tamanho da população de espécies que são possíveis reservatórios de novas doenças são três fatores importantes para o surgimento de novas pandemias”, diz a pesquisadora da UFRJ.

Entre essas espécies que funcionam como reservatórios, destacam-se os primatas e os morcegos, dois grupos muito abundantes e diversificados na Amazônia. Levando em conta o desmatamento crescente na região, bem como a presença de duas metrópoles (Belém e Manaus) com milhões de habitantes na região amazônica, ela considera que não se pode minimizar a chance de aparecimento de uma nova doença viral na área. “Não é um risco altíssimo, mas é alto, até porque são cidades conectadas com o resto do mundo, com voos internacionais para os EUA, por exemplo.”

A situação da Amazônia espelha a de outras regiões com florestas tropicais e alta biodiversidade mundo afora, como  boa parte da África e o Sudeste Asiático. Além do desmatamento puro e simples, essas regiões também estão sob pressão da fragmentação florestal, ou seja, a subdivisão da mata original em pedaços isolados, cercados de áreas de cultivo ou mesmo bairros urbanos por todos os lados. A fragmentação, por si só, aumenta as oportunidades de contato entre as espécies silvestres e as áreas dominadas por humanos, favorecendo, portanto, o risco de saltos de patógenos de uma espécie para outra.

Para os autores do artigo, a receita do que fazer é relativamente clara. Um dos primeiros passos, e talvez o mais hercúleo deles, é mapear em detalhes a diversidade de vírus e outros patógenos de reservatórios selvagens que poderiam infectar as populações humanas. Nesse ponto, o desconhecimento ainda impera. “Não consegui encontrar nenhum levantamento sobre os coronavírus em morcegos amazônicos, por exemplo. A lacuna é enorme, e no Brasil esse tipo de estudo é ainda mais incipiente do que no resto do mundo”, diz Vale.

Outra medida essencial é fortalecer os órgãos que controlam o tráfico de animais silvestres, que pode potencializar o contato entre pessoas e novos patógenos. Finalmente, ainda falta muito para uma vigilância eficaz de episódios em que um novo vírus fez o salto do hospedeiro animal para o ser humano — um estudo com financiamento de apenas US$ 200 mil em Bangladesh triplicou o número de detecções desses eventos no caso do vírus Nipah. Ele é causador de problemas respiratórios em porcos e encefalite (inflamação do cérebro) em humanos e seu reservatório são os morcegos.

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